29/02/2008

vozearia

image by Dave Preston

não descanso. não durmo. nem o som das águas chega aos meus ouvidos. a acalmar

como o ladrar de uma matilha na euforia da caça a vozearia na minha cabeça estala e sobe

vozes de mortos e de vivos agurmentam. dizem de sua razão. todos a têm

a cada um sua razão. não se encontram. não dialogam. falam. tão alto que a cabeça me estoura no escutar

hão-de dizer - é louca se houve vozes. hão-de dizer. já dizem muitas coisas mais

mas esses não importam. não entram na minha cabeça. não são deste meu mundo de vivos e de mortos

sinto-me um receptor de onda curta. não emito. recebo tudo numa amplidão insuportável

saberão que os escuto? não. não podem saber. se soubessem conviriam também quanto os conheço

porque eles não se auscultam entre si e eu nem posso sequer impedir-me isso

tanta voz! tanto eu! tanta dor sem remorso! tanta crueza! tanta intolerância! tanto silêncio em grito (o dos mortos)!

mando calar o meu animal de estimação que ladra a um odor novo ali por perto

não obedece. e de que serviria se são as razões dos vivos e dos mortos que me martelam o cérebro sem cessar?

onde é o interruptor que desliga isto? isto de ser receptor sem poder interferir? onde?

não sei.


21/02/2008

auto-retrato

image at haloimages.com


o pai pegou-lhe ao colo

a mãe ergueu-lhe os pés do chão



quando aprendeu a andar

mesmo olhando-a nos olhos

nunca mais a conseguiram ver

17/02/2008

na terra só as raízes


foto de madalena pestana


não estou no presente não vim do passado

não sou do futuro já me foi negado

não trago recados nunca fui profeta

e não sei sequer o que é ser poeta


fui mulher fui mãe agora o que sou?


tenho a alma fria tenho a cama fria

tenho o sonho morto a vida vazia

nem sei para que vivo não sei porque morro

não tenho uma causa para meu socorro


sei que fui mulher cheguei a ser mãe...


agora o que espero não vem, só demora

agora o que quero não tem certa hora

de onde vim eu? ao que vim? porquê?

nasci para morrer então não se vê?



cumpri o destino fui mulher fui mãe


morte, não demores que eu cansei. cansei!