30/09/2008

deus dinheiro

photo by Yuri Bonder



vejo a vida passar. nada me prende os olhos. flutuam


a verdade é um espelho envelhecido


a realidade. essa. invade-me os ouvidos sem nada ter de meu

não me movo. fumo o tempo. deixo que se consuma



só há um nome para os valores de agora. e não o digo


uso-o no essencial. se há resto, segue por outra vida fora




corre-me um rio de raiva. borbulha-me nos sonhos


já nem tu te sobrepões à força do caudal



fujo. escondo-me. como um animal


acossado pelo próprio instinto



fujo. fujo de quê? face ao valor maior eu nada sinto...


27/09/2008

poema zero

photo by Pascal Renoux

abre-se o dia


desperto com ele. não me abro


fico em mim. com as palavras


sin.co.padas



hoje o dia abre por ti


fico-me pelo silêncio


aceno uma flor


ao sol


penso-te ______________ pão paz e terra


respiro a manhã. sem ti


abre-se o dia



uma flor



que se desfolha


nas mãos ansiosas do tempo


e uma palavra. não escrita



poema zero




parto toda

toda a vi.da______________ ainda a meio

de saber


o que é real do que vivi


23/09/2008

sangue-corrente

Fly by Pnina Evental


solto lastros


rasgo laços


não tenho teias


nas veias


só dou saltos


não dou passos


entro a rir


nas marés cheias


marés limpas


de sargaços


marés minhas


todas braços


todas dedos


que tacteiam


o teu corpo


os teus traços


os teus olhares


que volteiam


como eu danço


nos espaços


que nos cercam


que medeiam


a realidade


do sonho


de que tenho


o cérebro cheio


mais o que quero


o que anseio


para lá dele


e me cobre


como a pele




sê o vento


vem depressa


sê o tempo


que me interessa


não deixo


vidas a meio





21/09/2008

redemoínho

foto by Floriana Barbu


hoje não sei palavras femiminas. não. não é isso - hoje não sei palavras de escrever. a maior parte são no feminino e não é o feminino que me enreda.

adormeci num limbo de imagens neutras e sonhei toda a virilidade do mundo numa noite.

escrevo palavras soltas. masculinas. decidi. junte-as quem souber. não estou para isso. não quero. não consigo. hoje. depois da noite que sonhei.

sei escrever -

homem
outono
mar
redemoínho
sexo
volteio
suor
grito
espasmo
beijo
desejo
prazer
cansaço
sono
despertar
recomeço
mergulho
infinito...

ufff!


a ordem é do vosso livre arbítrio.

eu hoje não escrevo. sinto.

quero. é quase outono. e é no outono que eu desperto. saio do calor dormente do verão para este tempo vivo. latejante. incerto. tempo de morrer para renascer. tempo de verbos sem adjectivo.

tempo de ti.

e... paro por aqui.


17/09/2008

ricos riscos

foto by R Dichavičius


arrisco por fim sair do escuro

acendo o dia. com o olhar mais velho mas atiçado pela vontade de viver

maior

que a antiga vontade de sair da terra para um espaço qualquer


re.encontro

outro risco. temo. anseio. sei-o

e se não for aquele que conheço?



chegou primeiro a voz. a ironia. o riso subjacente

rostos impermiáveis ao gostar

mais outra gente. sempre. tão um minuto a sós seria bom



arrisco olhar-te bem. dentro dos olhos

deixo-me a alma entrar-lhes. saio arriscada.mente a rir



não piso o risco

olho-o . meço-o

o beijo. esse. peço-o


adolescente a gostar de ser assim



foto by Pascal Renoux


noite

alma em ebulição

alívio da descrença

era verdade aquilo que sentia. posso rir alto. agora. divertida

deito-me. lembro. quero


deixo-te. é o costume. a minha mão estendida...


12/09/2008

violência de onda ao Vento

wave-ocean-blue-sea-water-white-foam-photo


manhã. cedo demais para quem se deitou tarde e não pode ainda trabalhar. manhã. cedo demais. ergui-me com violência de onda, da cama onde dormia.


- a tensão ocular. cuidado!- a consciência a querer falar comigo. a consciência. tonta. devia já conhecer-me melhor.


é só o vento. disse à minha cadela que não estava. hábitos.


é o Vento. disse a mim própria e deitei-me depois de olhar as horas.


dormi o quanto pude. depois disso. dormi ao som do vento. das obras. das crianças do jardim infantil que dá para o meu quarto. dormi?


dormi.



image by Finch Yelliott


a tua mão no meu ombro. a minha mão sobre ela - é quanto lembro - a tua angústia - eu vou sair daqui! ninguém aqui me quer. - a tua angústia tinha som da minha. não era a minha.


- não pode. não pode. e eu? não conto?


- contas. mas é a hora de ir.


caminhávamos. um corredor afunilado. um corredor prisão. havia gente atrás. de ti. de mim só tu.


a minha mão sobre a tua. no meu ombro. começou a aquecer. acordei com dor de queimadura. a mão estava erguida na certa direcção.


fora da roupa. exposta. toquei-a. ardia. como se uma febre a tivesse acometido.


àquela mão. à mão que te tocara.


não voltei a dormir.


o que é que foi verdade neste sonho?


eu.

e a tua mão sobre a minha couraça?

11/09/2008

falta-me um livro

image by Konzerthaus Dortmund

tantos livros já li. quase quantos esqueci. não minto. os livros são como as pessoas que passam por nós. às vezes nem as ouvimos. fixamos o olhar nelas e deixamos correr o fluxo de sons que trazem dentro.


depois despedimo-nos. com pressa e cansaço e seguimos em frente.

sacudindo a cabeça a atirar para fora dela uma vida assim, absurdamente, recebida .
o mesmo fiz. faço. com os livros que me são alheios ao sentir.


abro-o duas três vezes e não me prende mais do que o olhar. é a hora de o por de lado e dizer alto - este fica para a reforma. já está comprado e sempre há-de ser melhor que ler jornais na pastelaria da esquina.


sou esquisita em leitura. ou burra. mais por aí. se não entendo o que leio salto fora.


quero lá saber se o erudito que escreveu aquilo ganhou todos os prémios. quem sabe o nobel mesmo. se não entendo... não está em português.


isto tudo porquê?


ah. é que me faz falta um livro à antiga. escrito a sangue. um livro com as letras mais espessas que todos os aparos de canetas ou teclados de computador.

um livro que...


um livro música que sangre pelo meu diapasão de intensidade. de dor e... a tal palavra que não escrevo.

09/09/2008

estátua de amor

The turtle seemed a statue until the moment at I saw it in motion


a tartaruga parecia uma estátua antes de eu me afastar. nada a faria mover a não ser a minha ausência.

queria tanto ser como uma tartaruga. antiga. como ela. couraçada. como ela. não saber da palavra amor. nunca ter entendido a palavra sequer. como ela.

mas lembro-me de ti. todos os dias. mesmo assim recuso dizer-escrever de novo, a palavra misteriosa do sofrimento.

do sofrimento sim. nunca amei sem sofrer.

não direi amo-te a mais ninguém. talvez no fim. na hora do último olhar antes do escuro, atire um inaudível grito - AMO-TE!

se te chegar. do longe. um arrepio, sem que haja frio ou brisa, era para ti o grito.

nem assim escutarás a palavra amo-te dita pelos meus lábios. tu ou quem quer que seja.

amo em silêncio. porque sei que o silêncio me ama.

talvez por isso só me atreva a amar-te no sonho. pela noite. com a noite.

mas o sonho é o sonho. e reservo-me o direito de sonhar. até ao fim.


foto de madalena pestana

08/09/2008

renascer. no mar.

sky sea and earth


depois de muito tempo. como se lhe fugisse. fui ver o sítio aonde os rios vão dar.

levei comigo um olhar novo. e todos os contornos foram novos, até o da serra que me viu nascer.


novo. bom é também este regresso breve. como quem chega a casa depois de viajar.


mas as minhas viagens levaram-me a memórias não queridas. ao escuro. ao invernoso desafecto dos rios que me saíram do corpo. como sangue quente.


- lembro ainda - cada vez mais esbatidamente. pudesse eu e esquecia. de vez!


venceram os amigos.


e desaguei no mar. que me acolheu.


é já com um sorriso que hoje escrevo. um sorriso de areia e vento e azul feito.


um sorriso de esperança. a renascer.



foto de madalena pestana