27/12/2008

egolessness?




o que já não sou é que me fere
_______

um tempo. um saber. uma resposta

_______para tudo

o que me foge


mesmo que presa a ti

_______minha garra de amante


sei que parto

com a velocidade com que o sol

_______se foi


do meu rosto e da terra. hoje

*

nem as crianças me dizem

_______segredos maravilha


que me colem ao ainda por vir

_______

só tu podias devolver-me

a máscara de vida_______que uso

colada à face_______quando estás


só tu podias. podes._______Amigo

_______quererás?


26/12/2008

entre perú e sonhos

Tamera Bremer


terminou. cansaço é o que sinto. indizível.

dois dias a sorrir para esperança alheia. repartir alegria armazenada para a ocasião.

dois dias tão infindáveis quanto inevitáveis. mais os anteriores dias a fazer cansar destes, por antecipação.

Natal. não é o teu nascimento, Jesus de Nazaré, o que não me apetece celebrar. sabes que não. é todo o circo que se criou em volta.

saí à rua por uns minutos. os passeios estão pejados de lixo. despojos de banquetes absurdos a apodrecer na calçada. ostentação. até nas sobras.

olho os rostos que se cruzam comigo. os do costume. nenhum olhar tem mais brilho que ontem. nenhuma revolta ou angústia serenou por ter sido Natal. só as contas dos que não são ricos vão ser mais difíceis de gerir ao longo de Janeiro.

aonde foi cair o Amor que pregaste?

talvez numa travessa de porcelana entre bacalhau, perú, sonhos e outras tantas coisas comestíveis.

come-se o Amor que não se sabe dar.


cansei. hoje já sem visitas nem telefonemas posso voltar a ser quem sempre sou - uma vulgar maria madalena que só deseja Paz.

Natal de 1980

23/12/2008

Bom Natal, Meu Mar!

image by Ed Gordon


do meio da escuridão eu ansiava

_______te

vislumbrava a cor que não sentia

_______ e queria


carcorreei silêncios

fui ninfa de encarnados

e negros fumos nos cabelos

_______ só


art by Eyvind Earle



dei mágicas braçadas _______ em espírito

na tua direcção _______ não te alcancei


fire at sea by john reid



chego tarde ao viver _______ coisa de sempre

mas havia fogo no mar

se eu nadasse mais. um pouco mais


_______ até cair na praia

uma faúlha viva-solta chegaria até mim

_______ se.

16/12/2008

hoje. rio solto.



depois da queda livre que hoje vivo vou precisar ecrever. seja isso o que for.
passe ou não de um juntar letras a ____ sentir.

12/12/2008

tu vibração de ar



image by timeismonye12 on flickr



mergulho em sombra
fumo um cigarro
expiro o nevoeiro
envolvo nele o rio

nada existe onde estou
nem céu nem sol
nada
o nada
o nada eu

surge um gato do escuro
brilha. brilha
olhou-me? não sei bem



image by alemdag on flickr



sei que uma chama
me atinge a liquidez gelada
fervo
mistura-se o vapor da fervura
ao nevoeiro. acresce-o

eu
cego ou quase

depois volto a olhar

do gato
só um miado doce vibra o ar
a garantir-me que ele esteve ali


08/12/2008

vestidos a verde

image by Jacek Lidwin


cubro-me a verde. não de esperança _______ não espero

já é outro o sentir

mostro as rugas à terra _______ olhos nos olhos

confiança de filha na mãe única. de braços sempre abertos

de colo sempre ali



é uma espera longa. a de partir. e eu já não sei ficar


nada me prende


penso - ainda amo. e entristeço. de nada já isso me irá servir

cubro-me a verde _______ erva que o inverno permite sobre a lama

sem cantos de ave. um silêncio nocturno

e faço amor sonhando. como tantos

o outro corpo? nunca o encontrarei pele contra pele

talvez assim _______ na Terra. todo a verde coberto

talvez assim _______ num dia por haver

03/12/2008

coisas do Frio

by vricci63 on flickr


a linha recta a apontar infinitos - a distância

esfriou-me o sentir. os afectos congelaram. semelhança de morte

tudo se assemelha quando o inverno vem. as cores. os aromas

as gentes. os gestos. as vestes. as casas vazias ou pejadas

quase sempre geladas. em verdade. de verdades quentes


tu. que me não faltavas. congelaste a distância

do sonho congelado por ti as cataratas líquidas. salgadas


que deveriam correr directamente dos meus olhos para o mar

congelaram


brancas e inúteis porque não servirão a qualquer

primavera por chegar




02/12/2008

"bife da vazia"

by Jordi AC


já corre livremente a água pelas encostas.

os animais saem dos abrigos ao primeiro raio de sol. o pão não vem com a chuva. cresce dela.


também é essa a hora de predar. os mais fortes. ou não? os mais astutos. movem-se sorrateiros na esperança de fragilidades outras ou dos outros. são os carníveros. grandes senhores da vida ensanguentada de carne tenra. seja o bife da vazia mal passado ou a ave em voo titubeante que lhes caiu nas garras. num golpe de asa a nunca terminar.


a época da chuva é no entanto boa. lava. lava a mente de se saber tudo isto e disto nos atormentar o sono e embaciar o olhar.


há quem lhes escape. ao abrigo dela. há quem saiba escorregar devagarinho pelas ladeiras de lama ou neve até se afastar. de vez. das enormes bocarras. sempre abertas. prontas a devorar.


só não há água que lave os cantos ensanguentados da boca dos carníveros. o sangue congelou ao escorregar dos beiços salivantes de gula. e mancha de sangue sempre foi uma nódoa difícil de tirar.


26/11/2008

dito de costas para ti


now_i_see by Frank Grisdale



viro-me e oiço o vento

não sei nada de mim para além disto - viro costas ao vento!

e é nesse acto que me reinvento para re-existir

eu que morri para tantos. que lhes perdi a conta. ou o conto?

conto não de fadas. de demónios

quem os irá salvar?

encrontrarão sinónimos de si para iludir anónimos ouvintes

sim. sempre haverá


a sorte não nasce com a justiça

fabrica-se pela astúcia de uma mentira lúcida

até parecer___________verdade


24/11/2008

estação



vesti-me a rigor para a entrada mágica

do Outono

queria a languidez da morte. prevista ansiada

que todos os anos antecede o gosto

de se renascer

vesti-me a rigor com as cores quentes

feitas de folhas quase a decompor

de frutos deixados no lugar de flores



depois flutuei na beira do rio

folha-eu caída de dentro de mim

sem temores de morte. é isso o outono. a renovação


a chuva não veio. o rio não encheu

serão as estações que estão a mudar?

ou nesta estação que tanto anseei. para a qual me vesti de folhas e frutos

termino eu?





images by Al Magnus

17/11/2008

os Mestres

image by Al Magnus


na infância perdida encontram-se os poetas e os santos


os poetas voam na arte de sonhar alto

num mundo onde se morre de morno desespero

os santos querem ser deuses e sabem que não podem lá chegar

então conformam-se em ser bons ou mártires


e assim, como num jogo e a brincar, nascem os grandes mestres

de sofrer.

13/11/2008

onda de rio

wave of river
foto de madalena pestana



dia de nuvens brancas. um rio que se escurece. maré cheia a ondular a água como se vento houvesse.

arredei-me do meio líquido um tempo atrás. sensibiliza demais a fragilidade dos meus nervos

faz-me crer numa paz que não existe. relembra ou cria amores. ondeia. embala a vida

tal qual um barco de madeira leve. só feito para brincar na margem. por crianças.

não posso dar-me ao luxo de brincar. não. porque dói nos joelhos-da-alma cada queda

mas o apelo da água é mais forte. aproximo-me quase até me molhar. cada salpico toca no meu sangue

subitamente soa uma harpa antiga no meu cérebro. cânticos tão esquecidos quanto vivos entoam em redor

e entro enfim na onda a aquecer-me do frio.


com medo ou não de amar eu volto ao rio

10/11/2008

terra toda

Storm-Oil On Canvas By Nicoleta Bida


a tempestade há. tem aroma tem cor. vibrações invisíveis

ondulações violentas de ar. azuis-negro no queixume das aves

que se afastam da costa ou da montanha. que se afastam porque

têm outras penas a poupar. sem ter de voar as penas da tempestade

que sentem longe. longe ainda. no odor. porque também vem no vento

o aroma a lágrimas sem sal. pairando. acumulando-se antes de desabarem

em aguaceiro convulsivo. como o choro gigante de um deus muito distante


distante e a aves sabem-no. nós é que não. nós é que esquecemos

que toda a natureza é a mesma matéria cuspida pela mesma boca

no dia da grande explosão. da grande fúria quente desse deus



e se houver uma inspiração. fria. longa. imensa. devorante

que nos sugue para o centro de um infinito bocejo. ao contrário

e deus virar as costas à terra toda. por cansaço de nós?

09/11/2008

05/11/2008

até Já.


“Pretends to Be Free” by Caroline Torres


do processo de estatificação

by Blancoperfecto

era tão óbvio que o tempo viria.

o tempo de ser estátua que ninguém quer no meio da praça mas alguém lá colocou em dia menos inspirado.

sentia-se nos gestos. na ausência de ouvir. no facto de ignorar. afinal quem fala com uma estátua a não ser um doido ou um bêbado à noite?

sentia-se. eu sentia. só me faltava a hora. mas ela vem aí, com uma espécie de aviso prévio.

(primeiro quase ceguei. depois parti um dedo - corrijo, parti um dedo porque quase ceguei e não consegui tratá-lo a tempo de não ter de o operar para o curar - . não o curei. dói. me. com o frio que veio de repente. isto é humano. isto é viver de gente. )

mas. uma estátua de dedo partido é ainda mais inestética no meio das plantas novas do jardim..

primeiro há que arranjar lugar para a arrumar. depois... bem depois de encontrada a prateleira aonde não se veja, para que não se sinta nem se oiça (mas ouvir uma estátua? lá está a minha cabeça a fugir para a loucura. Deus me ajude!). há que referir o dedo deformado e a ausência no jardim de uma imprescindível redecoração. afinal é tão necessária uma estátua novinha em folha para substituir aquela!

e assim segue o caminho, um pouco mais lento, de saber como se atira para a reciclagem uma estátua.

convém que não pareça lixo, ainda que o seja. convém um bom pretexto, não que seja preciso, mas parece bem... quem sabe serve o nome maldito ou não de quem lhe deu para a esculpir?

há sempre uma maneira. que neste mundo admirável, sempre bastou querer para conseguir.

quando eu contar o fim verão se a previsão era falta de senso ou... senso a mais e atempado.

em todas as coisas é só ler os sinais e a mudança deles e ... qualquer um é adivinho.

podem acreditar.

03/11/2008

o vestido

James Martin Oliver Wardell



as palavras insistem em não me abandonar.

perseguem-me como a terra segue o sol mas sem carência disso

por pura crueldade.


deito-me rio e acordo no Mar

mergulho e ergo-me ao lavar-me delas.

pois se as não sei usar para que me seguem e se colam à pele como um vestido velho?



se ao menos fossem estrelas...

02/11/2008

pausa breve na Pausa

imagem at mg.scoop.co.nz



para mim o Amor morreu há muitos anos já. ainda falo dele como se o vivesse

ou fui eu que morri e me recuso. por teimosia. a acreditar na morte (minha para o Amor)?


27/10/2008

pausa sem termo certo

image from imageshack.us.






há tempos para tudo na vida

para o silêncio sobretudo. até na escrita



24/10/2008

gargalhada

my roots are in the Earth
foto de madalena pestana


as minhas raízes estão na Terra

em cima __ à superfície __ cruzam-se. como riachos

correntes de uma fonte de sede interminável


têm que descer fundo. encontrar __ dentro à mãe __ os rios

___ quem sabe se diferentes... ___

que as hão-de saciar.

no topo __ os ramos riem

riem pela manhã

ao primeiro sopro de brisa ou raio de sol

que lhes faça rumorejar as folhas


uma ou outra ave conhece já __ de cor

esse riso de árvore antiga que sacode a poeira da dor

de ter de estar exposta. à superfície. sem defesas aparentes

mas que são as raízes senão a força que mantém uma árvore de pé?


as aves. uma ou outra. acenam-lhe com o canto

cresce o dia!

___ o mundo suporta os pés dos homens sobre ele ___



enquanto a árvore ri ___ como um abrigo acolhe ___ a quem passar

raízes atravessando o coração da Terra

até à água. a benção. a vida. a paz.

reprodução do riso




liquefeita forma do amor


22/10/2008

estas minhas premunições

levam-me a minutos de silêncio antes da Hora...

foto de madalena pestana

Os Anjos dos modelos voluntários acompanham agora o Jaime na última e desconhecida caminhada.

Obrigada Jaime. :)



20/10/2008

a coroa fóssil

The guardian of the crown

escondi-me. com silêncios de ave. tanto tempo

já nem corria rios. ouvia-os só. ali ficava. parada. como o medo

esperava a palavra. (outros esperam o pão)

contemplava a jóia. a única que queria vislumbrar

havia uma árvore. recordo. conhecia-me bem e ao meu olhar___ te

não cansei. não me canso se acredito o que sinto


a árvore. essa sim. envelheceu primeiro e a dizer-me: - vai. não vale a pena

certo só tens a morte. vive a vida.





hoje a árvore é um tronco. azul. a destacar-se de outras árvores

caídas no caminho dos rios imparáveis

onde estará a coroa que criei para ti e não quiseste usar?

não sei. nem porque perguntei. fossilizou talvez

é tempo de seguir. de voltar a nadar




fotos de madalena pestana

bom dia

by TYLER C.GORE



se não entendeste o que quis dizer até agora. olha a minha mão

o tempo gasta-se. a memória. essa é a chave de todos os segredos

12/10/2008

segue-me no outono

follow me through the autumn



piso outonos. sonoros. resmalhantes


todas as folhas de papel já escritas amarelaram. como a minha pele

enrugaram

ao sol de muitos verões quentes de vida alucinante. alucinada


alucino________ a verdade de sorver cada gota restante


vida________ a minha. única. irrepetível


gotas. as do suor de estar atento a cada som. a cada asa vibrante


do vento________ onde te encontro. te repetes


autumn over a trunk of a rubber tree



meu tronco. minha força. meu segredo


minha esperança maior que deus quando chegar o medo


"Pai. porque me abandonaste?" - disse um Homem a um deus morto


entendo. mas família só sei de chamar Mãe, à Terra


e do teu último-recente olhar. que vi. silencioso. absorto


fixo em mim. meu amor. outono da minha ressurreição

antes do pó.


fotos de Madalena Pestana

10/10/2008

Intervalo.


Le dernier repas
by Jacques Brel


A mon dernier repas
Je veux voir mes frères
Et mes chiens et mes chats
Et le bord de la mer
A mon dernier repas
Je veux voir mes voisins
Et puis quelques Chinois
En guise de cousins
Et je veux qu'on y boive
En plus du vin de messe
De ce vin si joli
Qu'on buvait en Arbois
Je veux qu'on y dévore
Après quelques soutanes
Une poule faisane
Venue du Périgord
Puis je veux qu'on m'emmène
En haut de ma colline
Voir les arbres dormir
En refermant leurs bras
Et puis, je veux encore
Lancer des pierres au ciel
En criant : "Dieu est mort !"
Une dernière fois

A mon dernier repas
Je veux voir mon âne
Mes poules et mes oies
Mes vaches et mes femmes
A mon dernier repas
Je veux voir ces drôlesses
Dont je fus maître et roi
Ou qui furent mes maîtresses
Quand j'aurai dans la panse
De quoi noyer la Terre
Je briserai mon verre
Pour faire le silence
Et chanterai à tue-tête
A la mort qui s'avance
Les paillardes romances
Qui font peur aux nonnettes
Puis je veux qu'on m'emmène
En haut de ma colline
Voir le soir qui chemine
Lentement vers la plaine
Et là, debout encore
J'insulterai les bourgeois
Sans crainte et sans remords
Une dernière fois

Après mon dernier repas {x2}
Je veux que l'on s'en aille
Qu'on finisse ripaille
Ailleurs que sous mon toit
Après mon dernier repas
Je veux que l'on m'installe
Assis seul comme un roi
Accueillant ses vestales
Dans ma pipe, je brûlerai
Mes souvenirs d'enfance
Mes rêves inachevés
Mes restes d'espérance
Et je ne garderai
Pour habiller mon âme
Que l'idée d'un rosier
Et qu'un prénom de femme
Puis je regarderai
Le haut de ma colline
Qui danse, qui se devine
Qui finit par sombrer
Et dans l'odeur des fleurs
Qui bientôt s'éteindra
Je sais que j'aurai peur
Une dernière fois.



http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Brel

09/10/2008

a fábula

photo at i190.photobucket




uivo desesperado.

a animal acossado até o som do vento faz tremer

apela aos seus. de longe. mas que espécie se ocupa hoje dos que vão tombar?


isso era em outros tempos. eram outras as feras

outros os caçadores. outras esperas...




fawn National Geographic




não esta espera porque agora vivo


presa fácil até do teu olhar que fere


pela indiferença que me atravessa inteira


defendo-me da dor. enrodilhando-me no próprio corpo


tu segues os caminhos do teu dia


o animal que sou respira. mais seguro


a mulher que em mim vive, fica só mais vazia





uivo a raiva de não saltar o muro


da minha___ assim___ inútil fantasia.



06/10/2008

pianíssimo

Waiting For You by Renee Jinkins



a espera é um nome enrolado em tempo


tempo velho como manta de avô


a espera tem a medida de quem a vive


de tanto esperar sonho e falo contigo


fiz um poema longo que ainda me entoava ao acordar


"realidade.realidade.realidade...." pianíssimo agora - "realidade.realidade...."


entremeavas compassadamente - "facto.facto.facto"


ao despertar só me sobrara isto. a vizinha abriu-me para o dia


com o som odioso dos sapatos que a fazem parecer um elefante em pontas


tu esfumaste-te. com outro rosto já


facto? mas que facto? se o que tenho não é mais que ilusão


terceira idade da memória de querer. de ser. de desejar



eram só 6.30 da manhã. cedo demais para o banho matinal


tarde demais para readormecer. ficou-me mais um poema por viver.

04/10/2008

madrugadas

the wind

foto de madalena pestana



e a esta hora. descabidamente. mais uma vez me faltas


como uma pena de ave falta ao vento. para o som inaudível


de rodopiar


30/09/2008

deus dinheiro

photo by Yuri Bonder



vejo a vida passar. nada me prende os olhos. flutuam


a verdade é um espelho envelhecido


a realidade. essa. invade-me os ouvidos sem nada ter de meu

não me movo. fumo o tempo. deixo que se consuma



só há um nome para os valores de agora. e não o digo


uso-o no essencial. se há resto, segue por outra vida fora




corre-me um rio de raiva. borbulha-me nos sonhos


já nem tu te sobrepões à força do caudal



fujo. escondo-me. como um animal


acossado pelo próprio instinto



fujo. fujo de quê? face ao valor maior eu nada sinto...


27/09/2008

poema zero

photo by Pascal Renoux

abre-se o dia


desperto com ele. não me abro


fico em mim. com as palavras


sin.co.padas



hoje o dia abre por ti


fico-me pelo silêncio


aceno uma flor


ao sol


penso-te ______________ pão paz e terra


respiro a manhã. sem ti


abre-se o dia



uma flor



que se desfolha


nas mãos ansiosas do tempo


e uma palavra. não escrita



poema zero




parto toda

toda a vi.da______________ ainda a meio

de saber


o que é real do que vivi


23/09/2008

sangue-corrente

Fly by Pnina Evental


solto lastros


rasgo laços


não tenho teias


nas veias


só dou saltos


não dou passos


entro a rir


nas marés cheias


marés limpas


de sargaços


marés minhas


todas braços


todas dedos


que tacteiam


o teu corpo


os teus traços


os teus olhares


que volteiam


como eu danço


nos espaços


que nos cercam


que medeiam


a realidade


do sonho


de que tenho


o cérebro cheio


mais o que quero


o que anseio


para lá dele


e me cobre


como a pele




sê o vento


vem depressa


sê o tempo


que me interessa


não deixo


vidas a meio





21/09/2008

redemoínho

foto by Floriana Barbu


hoje não sei palavras femiminas. não. não é isso - hoje não sei palavras de escrever. a maior parte são no feminino e não é o feminino que me enreda.

adormeci num limbo de imagens neutras e sonhei toda a virilidade do mundo numa noite.

escrevo palavras soltas. masculinas. decidi. junte-as quem souber. não estou para isso. não quero. não consigo. hoje. depois da noite que sonhei.

sei escrever -

homem
outono
mar
redemoínho
sexo
volteio
suor
grito
espasmo
beijo
desejo
prazer
cansaço
sono
despertar
recomeço
mergulho
infinito...

ufff!


a ordem é do vosso livre arbítrio.

eu hoje não escrevo. sinto.

quero. é quase outono. e é no outono que eu desperto. saio do calor dormente do verão para este tempo vivo. latejante. incerto. tempo de morrer para renascer. tempo de verbos sem adjectivo.

tempo de ti.

e... paro por aqui.


17/09/2008

ricos riscos

foto by R Dichavičius


arrisco por fim sair do escuro

acendo o dia. com o olhar mais velho mas atiçado pela vontade de viver

maior

que a antiga vontade de sair da terra para um espaço qualquer


re.encontro

outro risco. temo. anseio. sei-o

e se não for aquele que conheço?



chegou primeiro a voz. a ironia. o riso subjacente

rostos impermiáveis ao gostar

mais outra gente. sempre. tão um minuto a sós seria bom



arrisco olhar-te bem. dentro dos olhos

deixo-me a alma entrar-lhes. saio arriscada.mente a rir



não piso o risco

olho-o . meço-o

o beijo. esse. peço-o


adolescente a gostar de ser assim



foto by Pascal Renoux


noite

alma em ebulição

alívio da descrença

era verdade aquilo que sentia. posso rir alto. agora. divertida

deito-me. lembro. quero


deixo-te. é o costume. a minha mão estendida...


12/09/2008

violência de onda ao Vento

wave-ocean-blue-sea-water-white-foam-photo


manhã. cedo demais para quem se deitou tarde e não pode ainda trabalhar. manhã. cedo demais. ergui-me com violência de onda, da cama onde dormia.


- a tensão ocular. cuidado!- a consciência a querer falar comigo. a consciência. tonta. devia já conhecer-me melhor.


é só o vento. disse à minha cadela que não estava. hábitos.


é o Vento. disse a mim própria e deitei-me depois de olhar as horas.


dormi o quanto pude. depois disso. dormi ao som do vento. das obras. das crianças do jardim infantil que dá para o meu quarto. dormi?


dormi.



image by Finch Yelliott


a tua mão no meu ombro. a minha mão sobre ela - é quanto lembro - a tua angústia - eu vou sair daqui! ninguém aqui me quer. - a tua angústia tinha som da minha. não era a minha.


- não pode. não pode. e eu? não conto?


- contas. mas é a hora de ir.


caminhávamos. um corredor afunilado. um corredor prisão. havia gente atrás. de ti. de mim só tu.


a minha mão sobre a tua. no meu ombro. começou a aquecer. acordei com dor de queimadura. a mão estava erguida na certa direcção.


fora da roupa. exposta. toquei-a. ardia. como se uma febre a tivesse acometido.


àquela mão. à mão que te tocara.


não voltei a dormir.


o que é que foi verdade neste sonho?


eu.

e a tua mão sobre a minha couraça?

11/09/2008

falta-me um livro

image by Konzerthaus Dortmund

tantos livros já li. quase quantos esqueci. não minto. os livros são como as pessoas que passam por nós. às vezes nem as ouvimos. fixamos o olhar nelas e deixamos correr o fluxo de sons que trazem dentro.


depois despedimo-nos. com pressa e cansaço e seguimos em frente.

sacudindo a cabeça a atirar para fora dela uma vida assim, absurdamente, recebida .
o mesmo fiz. faço. com os livros que me são alheios ao sentir.


abro-o duas três vezes e não me prende mais do que o olhar. é a hora de o por de lado e dizer alto - este fica para a reforma. já está comprado e sempre há-de ser melhor que ler jornais na pastelaria da esquina.


sou esquisita em leitura. ou burra. mais por aí. se não entendo o que leio salto fora.


quero lá saber se o erudito que escreveu aquilo ganhou todos os prémios. quem sabe o nobel mesmo. se não entendo... não está em português.


isto tudo porquê?


ah. é que me faz falta um livro à antiga. escrito a sangue. um livro com as letras mais espessas que todos os aparos de canetas ou teclados de computador.

um livro que...


um livro música que sangre pelo meu diapasão de intensidade. de dor e... a tal palavra que não escrevo.