30/07/2007

Foi só desejo, Amor! Foi só!

image by Karin Rosenthal

liquefeita em silêncio outra vez. vez após vez. já se tornou um hábito ou forma de viver.

a ti falo de tudo como no outro dia. o do desejo. afinal sempre o fiz. tu não. se eu perguntasse respondias. o mínimo. o possível. mas éramos dois corpos obrigados à separação e vivos ambos. então.

depois silenciávamos e um olhar bastava para cada um entender que se ferira e ferira o outro no mal lidar com o facto de estar ali, mãos dadas e corpos a terem de ser alheios a isso.

os amores têm corpo. não terão só, mas têm - se até o amor de mãe tem colos de anjo...

liquefeita em ausência e em silêncio embrulho-me na areia da margem. queria infiltrar-me nela. desaparecer assim.

falta ainda tempo ao que parece. volto os olhos para o rio. não te vejo espelhado. à minha espera. sei que às vezes te ausentas. nunca soube para onde nem pergunto.

irás chorar num canto o meu próprio desejo, como eu não sei fazer?


24/07/2007

hoje-agora-logo

photography of QT Luong


hoje. naquela hora. a hora incerta e certa por adivinhada em antecipação de alvoroço infantil. sem a saber. sem a poder saber. naquela hora. hoje.

hoje como um cheiro forte de terra na mistura de chuva sobre feno a arder em planície argilosa. como um jorro impetuoso de rio descontrolado na queda de um rochedo. como uma mão a subir-me no corpo. invisível

hoje o cio sobreveio.

mordi-o nos lábios entreabertos quase até sangrar (vagamente sorria. sou assim. oriental de espírito. celta de corpo).

engoli o cio na saliva lembrada, ainda húmida a invadir-me a boca. a penetrar-me num orgasmo inventado ao nosso jeito. teve de ser assim naquela pressa toda de conseguir, em minutos, anos de desejar.


photography of QT Luong

- olá

- olá

como se não soubessemos falar como se balbuciássemos. como quem pede água pela primeira vez à mãe numa infância primeira.

e sabemos falar? e queremos isso?

afasto-me. saio para longe num adeus costumeiro. o rio-cio parece calmo agora. parece. as correntes de superfície enganam muito quem não conhece rios e, não há rios iguais.

18/07/2007

sobre nós

dispo as vestes de água. procuro-me na margem. avisto o trigo. move-se como as ondas no rio à beira foz.

ainda me procuro. terminarei nessa procura. sei.

sonhei que um dia o trigo cresceria sobre o pó que fosse, fossemos. mas não será assim. quero-o ao vento agora.

desacertámos tempos. assim, espalhado ao vento, será mais fácil que uma partícula de mim que seja, encontre esse resto físico de ti que já de nada serve.

não serve aos outros. a nós nos bastará.


demain sur nos tombos by Philippe Rapoport

queria de ti um filho. uma réstea no mundo com o teu sangue verdadeiro.

quis tanto. tanta coisa!

sacudo a cabeça a despentear ideias de saudade e raiva. se nos juntarmos no fim, faremos um filho de pó sagrado. filho de terra. nascido dentro à terra. coberto pelo rio que navegámos juntos desde sempre.

as ideias atropelam-se. pode ser nobre amar mas é tumultuoso. pelo menos em mim.


image by Giftzwerg Grafix

o nosso filho continuará a nossa louca dança nos trigais desertos, numa ode à vida e à terra verdadeira. não à terra dos homens, à Terra Natural de onde nasceu.

somos só filhos da terra. tu e eu.

15/07/2007

manta de água

image by Hervé Mitko


enrolo-me na manta do silêncio. sabe bem recordar. dias de chuva ou seca. brincadeira de ar livre. brincadeira sim, que os pobres também brincam. brincam por vezes mais, com imaginação. fazem barcos à vela com os lenços das mães para navegar nas poças de chuva. rios de chuva a correr para o mar.

onde nos desencontrámos nessa idade? nascemos em datas erradas. errados tempos. até os tempos jogaram contra nós. mas não o tempo. esse acabou por juntar-nos.

tarde? cedo? a tempo ainda de viver a dor.

silence by Monika Brand

é agora o silêncio o que mais fala.

vivemos de silêncios por dever de vida. assim continuamos rio adentro, correndo para a morte.

e no entanto oiço tão nítida em mim a tua voz. és uma luz audível. colorida como um lírio do campo em antecipada primavera.

voz de lírio ensinaste-me a luz perdida em desencantos. em carência de amor até chegar o teu.

aconchego ao corpo a manta de água. aconchego-te a mim. água de vida.

13/07/2007

paralelos? - não.

Early morning by Erik Jorgensen

todas as manhãs nascemos paralelos ao sol e entre nós.

é quase insuportável nos dias de mais frio. parece a perfeição nos dias de calor. parece. aos outros.
os outros. ainda haverá outros? terão havido alguma vez, realmente, para mim?

sei as respostas. as perguntas são método. os outros, se os houve, perderam-se no tempo e perderam o tempo de ter direito a ser. a ser coisa em que se pense antes da decisão. os outros. os vivos. mais paralelos ainda do que nós.


Winter by Philippe Rapoport


amigos somos de todo o vendaval. o vento empurra-nos os ramos e de paralelas árvores, somos árvores cruzadas a ranger os desejos e os prazeres encontrados, os orgasmos de inverno. esses sons que os demais temem no meio da tempestade.

soubessem os tais outros que aquilo que temem somos nós é o nosso amor e continuariam a almaldiçoá-lo. sabendo ou não quem fomos ou quem somos. o amor faz temer se é grande como o nosso. faz ranger os alicerces da mediocridade no sentir.

meu tremor de terra, só tu e eu não fugimos à fúria desse sentir tão único como a vida é para cada um.

11/07/2007

nascente...eu.

image by Rich Stevenson

nua de ti, vivi a maior parte do tempo em queda livre. tinha esquecido as regras do viver com rumo. parecias tão distante...

os outros falavam que morreras. imagina, tu a morreres sem mim!
mas eu pouco pensava no meu impulso de água à toa. fazia qualquer coisa a que chamavam arte. por mim, fazia o que sentia e só.

passei todos os estados. fiz-me terra . de mim brotaram rios. tinha de ser.

image by Rich Stevenson

eu terra e, súbito, nascente de riachos que tropeçavam em cada escombro do caminho que eu não queria alisar. sabia ser assim que se aprendia. tropeçar cair erguer-se. regra básica de sobreviver. cansei os olhos no vigiar calada.

acontecera tudo tão depressa que quase te esqueci. por dias? meses?
cheguei mesmo a dizer - meu amor! a outro homem. merecia ser amado. talvez por isso o dissesse e tenha estado tão à beira de o sentir.

mas tu voltaste às minhas horas de silêncio a acalmar os medos que me sobrevinham por perdida de ti.

- ergue-te e ama!

(- levanta-te e caminha. )

e como o homem do evangelho, a ti, obedeci.

10/07/2007

as lágrimas

image by paul bedwe


lágrimas nunca soltas alagaram as margens. desaguaram no mar. a alargá-lo. pescadores naufragam em lágrimas de amor.

tinham de ser de amor as lágrimas presas nos olhos queimados. ressequidos. terra árida.

só o amor tem esse poder naquilo que fui-sou. o amor, não a palavra. impeço-me a palavra. lavo-me dela se insistem em dizer-ma. palavra gasta como lençol alheio. não me deito. não durmo em sonhos de outros.

disse-te - meu amor! e morri. a palavra amor morreu do mesmo jeito. ali. assassinada pela verdade de um sentir inigualável por mais anos que a Terra dure e o Homem sobreviva nela.

não é toda a verdade. a palavra morreu no puro instante em que a sussuraste pela primeira vez e acreditei. para sempre. acreditei como os santos acreditam em deus.

santificaste-me em amor.



image by Daniela Nikolova

o meu fantasma desce e sobe rios. diferentes todos. aguarda que o libertem do corpo. esqueceram-se do corpo. como pode isso ser? mas é.

e assim, tu alma eu corpo vamos fazendo a liquidez dos dias. até que numa hora. a certa hora desaguemos num infinito mar. mar dos amantes. o mar do reencontro. o mar de toda a vida por haver.

08/07/2007

noite

picture by Karel Veprik

na encantada época da esperança tive a avidez dos sonhos. era bom.

mesmo sabendo que eram isso e apenas: sonhos.
veio com a esperança a maldição da lucidez e por cá se instalou. habituei-me a ela. tirou magia ao céu e às gentes sobretudo. o céu é mais distante dá para esquecer melhor.





toby-jacobs-beowulf-and-grendel

príncipes que pareciam encantados, encantaram-me. sabes. sempre soubeste. e eu sempre fingi o encantamento. era um jogo só nosso. por combinar até.

neste jogar esfolámos joelhos reais. fizemos feridas mútuas. nunca fomos crianças, era a altura de correr para o rio e as lavar. pois se eram feridas nossas, feitas por nós em nós, que melhor rio que o do amor para as sarar?

penso hoje em ti como no único príncipe que deuses e demónios, unidos, criaram e eu tive a sorte, única, de conhecer e amar.

mergulho fundo. mais. é onde o sol já mal consegue entrar que recordo melhor. mais puro ainda. na minha noite de água.

06/07/2007

hoje.

Angry by ninazdesign

hoje engulo palavras como quem engole vendavais.

lembro a tua raiva impotente contra o fim do teu rio. melhor: a tua raiva contra o desvio que lhe queriam fazer.
os rios correm por ondem querem. tu também. dessa vez não. dessa vez era o mar sem fundo ou o desvio de rota.
com que raiva arrancaste erva da margem! lembro. como se fosse agora. não será?

num grito sem voz que só o olhar traía sorriste a prometer que correrias na direcção mandada. sabia eu bem que não. quem se fez livre não veste a farda da cobardia nunca mais.

voltaste a enterrar a erva para que nada faltasse na terra e... assobiaste.

esvaiste-te de um fôlego só. feliz. disseram.

água-sangue a regar a erva torturada. segues o teu rio subterrâneo bem por baixo do meu.

só por isso aprendi a mergulhar.

04/07/2007

tu - meus olhos de sempre.

picture by bill schwab

nos dias de neblina, nos dias cinzentos, baços que assaltam até rios. nos dias que em terra não são mais que sombrios é que a descoberta de uma árvore melhor faz.

estende-me o braço esguio como um sinal de casa. acena-me a dizer: tu és capaz. e sigo. nado. respiro esse ar purificado que a natureza preparou para nós. para mim também.

no rio nem respirar é acto inconsciente. cada rio é diferente e há que acautelar qualquer fundão que nos faça descer a profundidades não previstas e a ter mais ar armazenado nos pulmões.

depois... depois para alguns nadadores há solidões.

não eu, que neste percurso até ao mar final, te tenho à minha frente como um facho. meu amigo de sempre. seta apontada a anunciar cada risco cada entrave. como o anjo de um céu ou para um cego um cão.


Running Dog by John Divola

03/07/2007

útero.

image by zen granny - Linda


aprende-se a nadar seguindo as aves, não os peixes. olhando bem para o alto. as aves não navegam rios ou mar. navegam infinito.

um golpear vazios com direcção. eu aprendi assim. outros não sei.

vi-as subir em mergulhos difíceis - para cima. depois fechar as asas e descer. sempre o peito para a frente a enfrentar batalhas contra moínhos-gigante, como eu. Quixotes naturais sem escrita prévia.


image by christina hope-water listen

descubro sons, grutas. o que comer. a água doce alivia-me a dor de não ter asas maiores do que as do sonho.

enrosco-me em concha num prazer uterino. sou. viva. inteira, no mergulhar em mim.

02/07/2007

dureza. quente.

image at ibanorum.netfirms

descansando em pedras. dureza na carne, mas calor de sol. pausas necessárias ao continuar.

há pontes por sobre os rios que percorro. gentes sobre as pontes. vejo-as passar. aprendendo gentes aprendendo vida e morte num único lance dos olhos clareados , quase cor da água.

curioso: as gentes nem olham o rio. em que pensarão? passam, tão absortas, sobrecarregadas de mundo e de terra firme. como será isso?

não passo da margem. nem quero passar. hoje que já sei como viver na água não me quero em terra para não me sujar de negras ideias, de gente-negrume, de vozes ruído sem nada a dizer.

adormeço em pedras. que quentes que são quando foram expostas ao sol que ilumina tudo o que é da raça de ser e crescer!