20/04/2009

trave sobre a mulher

image by Katia Chausheva

de tanto ouvir falar de crise acabei por escutar.

crise é palavra feminina que cai primeiro que tudo. como uma trave. sobre a mulher.

não serve de muito discutir sobre isso. vi-a. à dita crise. atravessar-me a infância. toda. na adolescência. menos já.

ao homem cabia trabalhar mais ainda. mais que de sol-a-sol (como o meu pai). para lá do sol se por. encontrando o que fazer. rendendo. com muito esforço e imaginação.

à mulher cabia. cabe ainda. ouvir os filhos pedir-lhes por tudo (até por pão) e inventar desculpas para o "não há". mansas umas ou se mansidão é palavra distante. espantá-las com um grito e fazê-las chorar. enquanto choram por causa do grito ou do tabefe a acompanhar. esquecem o que lhes falta. criança é mesmo assim.

- mãe. posso comer pão com manteiga?

- não há manteiga. tens lá margarina que também é boa. é da vaqueiro que é quase igual.

- não é igual. mãe.

- então espera que o teu pai chegue. se ele trouxer dinheiro hoje...vou à mercearia e trago a maldita manteiga. raio da rapariga que é difícil de contentar.


neste caso a história acabou bem. o pai era um trabalhador desenfreado e conseguia não desapontar e a filha. por saber isso. tinha optado por esperar. nunca um pão com manteiga lhe soube tão bem.


obrigada mãe. pelo esforço dorido que é ter de dizer - não há - a um filho/a com fome (e ainda havia pão e a tal vaqueiro...).

por aqui e no Abril de agora. para muita gente já nem vaqueiro há. ou nasceram sem crise. ?


porque hoje mãe. a trave é mais pesada. muito.

as mulheres trabalham como os homens. não só na lida da casa e na costura para amealharem uns tostões e fazer um vestido novo à filha (lá para Maio...).


aqui e agora. depois do tal Abril de cravos todo feito. que só por dentro celebro. os gajos. os cromos dos poderes vários. enchem-se. enfardam. dançam a ronda no pinhal do Rei! *


e as mulheres? as mulheres são as primeiras a ser dispensadas (nova palavra para despedir) por - serem novas e terem de ter aulas. por estarem grávidas. por serem velhas e não se adaptarem ou...simplesmente por lhes terem fechado o posto de trabalho que os próprios abriram. e esta hein?! ou será também simples-mente porque são mulheres?

eu. na crise? - os filhos estão criados - a mim sobra passar da fila da caixa para a baixa (por causa da minha privada depressão) à fila do banco alimentar se me calhar ser DISPENSADA. eu sou Mulher...


o rio da miséria cresce. galga as margens da civilização. como no antigamente. fui eu que disse não há rios iguais?

dedicado a Maria José Batalha Pestana. minha Mãe.








* "Os Vampiros" do já ausente mas sempre Vivo, José Afonso.





13 comentários:

Madalena disse...

Para se alguém passar -
desculpem, estou sem poder de síntese.
não consegui escrever coisa tão simples no número de linhas que são de ler em Blog.

eu tinha necessidade de escrever. foi só.

Obrigada.

Madalena

della-porther disse...

Madalena

"Eles" aí , aqui e em outros lugares, se resfastelaram, roubando-nos até chegarmos até esse ponto. Nos empobreceram e agora exigem que paguemos o Rombo da conta que eles super-faturaram.

Há que se dizer sim, gritar sim se necessário for: Chega! Basta!

Há anos lutamos , trabalhamos sujeitos à dispensas - se não agradávamos ou se não fôssemos "excelentes cordeiros trabalhadores", se não rezássemos em suas cartilhas selvagens de exigências.

Migalhas nos deram. Chega!
Não queremos mais. Queremos a dignidade, em especial nós mulheres.

Obrigada pelo desabafo! Espero que ninguém se cale a isso.

abraços

della-porther

tchi disse...

MULHER-CORAGEM a Senhora tua MÃE.

Obrigada por esta partilha.

Confiança.

Beijinhos.

Mateso disse...

Mulher é ser o sal da vida. O sabor do Mundo. E isso dói a quem o paladar fugiu.... Coisas...
Bj.

aDesenhar disse...

Olá madrinha.Mães de Maio.
a tua mãe
a minha
o meu
e
o
teu Pai.
Todos cresceram de igual modo.

Simplicidade QB nas tuas linhas.
não peças desculpa.

Vem ouvir o Zeca lá na minha taberna.

:-)

bjs
e saúde

Menina Marota disse...

Mãe... que é Mãe, entende tão bem estas tuas tão necessárias palavras... que elas despertem consciências ainda cegas... serão mesmo cegas?

Grata pela tua comovente partilha.

Beijinhos

adouro-te disse...

Pois é... comem mesmo tudo!
Cretinos... So_cretinos!
Beijo, Madalena!

Gabriela Rocha Martins disse...

duas SENHORAS de letra muito grande - a tua MÃE E TU

de uma acutilância .de uma actualidade .de uma lembrança .de uma sem saudade ... e com uma enorme vergonha de pertencer à tua geração ,e de não termos sido capazes de pintar ABRIL

ainda teremos capacidade para sonhar ,quemadre?


.
um beijo
( e pelo senhor santo cristo ( dizem que foi ) não deixes NUNCA de escrever .com ou sem capacidade de síntese..... )

Gabriela Rocha Martins disse...

e como não me deixas comentar no post seguinte
digo.te

.já somos duas ,quemadre!

poetaeusou . . . disse...

*
(não serve de muito discutir sobre isso. vi-a. à dita crise. atravessar-me a infância. toda. na adolescência. menos já.)
,
a ti, a mim, a muitos,
,
lembrei a minha mãe,
e a responsabilidade que
teve sobre os seus ombros,
agravada por viver numa
Nazaré Matriarcal,
,
curvo-me á senhora tua mãe,
,
brisas serenas, deixo-te,
,
*

Madalena disse...

Obrigada, Amigos.

Não tenho mais a dizer excepto: tratem de ser Felizes, a Vida é Hoje. Só.Bjs.

pin gente disse...

lindo!

os cravos andam a perder o aroma de tão adulterados.

beijo
luísa

Madalena disse...

É verdade, Pin-Gente. Tristemente. Mas não começou hoje. Agora vê-se mais por haver um cromo-mor com apetências absolutistas.

As flores têm de ser regadas mesmo de inverno, caso não chova, ou morrem.

Há quem se esqueça...

Bjs. Obrigada pela visita. :)