13/06/2008

ele há miséria e - a miséria

photo by Peace Correspondent

um estranho agrediu-me. um puro estranho.
espantou-me aquele ódio de marginal. mais que a dor na cabeça. da pancada. ainda me espanto. eu. coisas de quem passou por outros tempos e não está para se habituar a estes.

calcei os ténis e com uma amiga, fomos até à montanha. lavar a cabeça de gente. nem um cantil levámos. sabíamos que no topo havia uma nascente. de água pouca mas límpida e corrente.

pelo caminho quase não falámos. a minha amiga mais por temperamento. eu por me martelar no cérebro a palavra miséria.

os que têm fome. da real . da física. dirão: - na miséria vivo eu.
estão enganados. vivem com a falta do essencial para sobreviver mas a dignidade permanece. ainda que em justa revolta e inacreditável sofrimento.

mas miserável é quem não sabe o seu lugar na vida. quem perdeu os princípios e se orgulha disso. quem pensa ter todos os direitos. porque sim. quem ostenta o que tem na frente de quem não o poderá ter. como quem acena com um pão a um esfomeado e lhe dá uma gargalhada em vez do pão. ou caso dê a sandes que levava para o caminho curto, corre a alardear - eu dei! eu dei! olhem como eu sou bom. batam-me palmas. sou rei.

e é. rei desta selva.
leão preguiçoso que só caça para si e depois ruge. como se isso fosse um feito assinalável.

rei da miséria. é.

chegadas à fonte saciámos a sede. de água e esperança.

- esquece isso. já não muda. pega numa borracha e apaga-o. ou então segura numa pedra. pensa nele. passa a tua energia de frustração e raiva para a pedra e atira-a à água. ficará no fundo. depois viramos costas.

deixámos a miséria para trás. essa miséria.


fiz o que a minha amiga sugeriu. fiquei tão leve!

há caminhos de areia para ir buscar água pela manhã. não volto aos caminhos de pedra.

há tanta gente com sede e eu conheço muitos rios e fontes e nascentes. tenho de os ensinar.

descemos a correr e, a sorrir!

photo by kryyslee


9 comentários:

Suzana disse...

..."há tanta gente com sede e eu conheço muitos rios e fontes e nascentes. tenho de os ensinar."

Certamente.Passar os conhecimentos é a melhor e mais rica herança.

Obrigada pela visita

Suzana
Poética sem Métrica

Madalena disse...

Eu também acredito nisso, Suzana. Mas nese mundo materialista, toda a gente parece ter nascido a saber tudo e, sobretudo, deseja outras heranças.

Obrigada. Bjs

bettips disse...

Reler-te é bom, depois de tanto negro e sombra e água fechados no olhar. Espero que os teus olhos se aguentem, minha querida: tem cuidado contigo!
Não sei é metáfora a agressão??? melhor seria se fosse: toda esta raiva "mal dirigida" me assusta e confrange a alma; porque continuo a ver "os maus" vivendo em balofa impunidade.
Bjinho

Madalena disse...

Olá Bettips, houve agressão sim, mas não física. Não deixa no entanto de ser um sinal destes tempos impunes e absurdos.
Talvez se eu já fosse dependente tivesse sido física. Não posso deixar de pensar nisso...

Mas vamos lá correndo pela areia e... sorrindo.

A Vida dá muitas voltas e, tudo o que de bom e mau se atira para o Universo recebe-se em Triplicado. Eu já recebi a minha dose, de bom e de mau.

Os outros... que não se distraiam.

Bejos, Amiga.

A.Tapadinhas disse...

Fernando Pessoa tem uma quadra ao gosto popular que diz:
Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.
...
Fazes bem em não regressar aos caminhos de pedra: já conheces os outros, ensina-nos os seus segredos.
Beijo.
António

Madalena disse...

Boa citação, A Tapadinhas. :)

Aprendemos os caminhos brandos muitas vezes só depois de grandes "pancadas na cabeça".

Ensinar pode ser um expressão forte demais para mim mas, contar dos caminhos, isso farei.

Obrigada. Bjs

poetaeusou . . . disse...

*
como te compreendo . . .
eu não mudo, continuo a ser eu,
vou pelos caminhos que quiser,
de pedras, de espinhos, de areia,
de marmore, passadeira vermelha,
porque não, do calvário, o certo...
,
só me ofende quem eu quizer e sei
que há caminhos não andados que esperam por alguem, por mim ?
e acredito no verdadeiro francisco
de assis,
dar de beber a quem tem sede,
dar de comer a quem tem fome,
a sede de tudo . . .
a fome de todas as coisas . . .
,
não sou do tempo ?
como o tempo não existe... olha ...
,
conchinhas atempadas
,
*

Gabriela Rocha Martins disse...

posso ficar com uma gargalhada para mim?

posso?

vá lá!
[como os miúdos]

.
um beijo

Madalena disse...

Beijos POeta. Obrigada. :)

Gabriela. Ri. Sonoramente. :)

Bjs