cito:

"A Terra não é nossa, foram os nossos filhos que no-la emprestaram" - Senghor
Image by pinoperrotta
- "Não há um lado mau da vida: a vida é una" - Bernard Shaw photo - Ithaca by Arthur Durkee
"A Terra não é nossa, foram os nossos filhos que no-la emprestaram" - Senghor
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dizem - é o teu sangue. - não é. posto que o dei à terra
vindo de tantas feridas
que não as sei contar ____ nem por palavras
sei ____ vagamente ____ que uma dessas feridas me matou
quis ser fatal ____ quis ser ____ quis!
para viver precisou de matar
sei ____ vagamente
o sangue dei-o todo ____ ou quase
como pode ser meu?
vá. corre sangue. como de antes. nos canais de mim
fecharei as veias ____ quero fechar as palavras ____ outras feridas
corre para que possam dizer ___ já em verdade
que fui.
importa se ainda sou?
é tudo transparente
a vida é boa
as gentes sãs
o mundo vive em Paz
não. não enlouqueci
é que hoje sou turista nesta Terra
tenho olhos novos para tudo o que me cerca
passei beirinha a ti
sou como um poço de águas sem inquietação. na aparência. onde se lança o balde, inclina, enche e lança de novo. um infindável poço onde a água deve ser eterna.
deixo ingenuamente as palavras subir à superfície. mansas como algas macias ao tocar. não tenho intenção de comunicar nenhum sentido que sirva à vida alheia.
se tenho, é subterrâneo como tudo é em mim.
nasci a contragosto de quem me viu nascer. sou mulher subterrânea já que era homem o que devia ter surgido no mundo. no dia nove de um ano terminado em nove de um novembro qualquer.
então desci, com os homens meus irmãos, às cavernas das minas que as mulheres em regra desconhecem. (não se iludam. as jovens. ainda hoje elas lhes são vedadas. há rituais para poder entrar lá. os homens são tão misteriosos como as mulheres. de diferente maneira. apenas isso.)
aprendi com eles o guardar de segredos. a partilha diferente. sem cobrança (nesse tempo). o não falar de dores. do tempo. do preço das cebolas ou da roupa a passar.
subterraneamente cresci outros temas em mim - revolta. liberdade. trabalho. luta. literatura. futebol. clandestinidade. riso. camaradagem. amores.
hoje tudo ainda ferve (em lume brando agora) no poço de aparência ingénua e calma.
BoilingMud_ at www.caboose.org.uk
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a mulher na frente falava vazio
corpo seco. voz ansiosa de tudo. um protesto eterno
na boca franzida. falava. falava.
a água no copo quase aquecia. à voz de revolta.
vazia ela toda. costumeira já
eu fingia ouvir. fixava a distância com os olhos doridos
que de tanta luz pedem para dormir.
vi-te. ou ao teu vulto
não me enganaria - silencioso andar de gato siames
e ela falava. a água do copo dormia entre os dedos
que só desejavam estender-se para ti.
ficou-me o aroma da passagem breve
e a voz que deixaste no toque fugaz.
a mulher creio eu que calou por fim.
corri para o meu canto. depois para a rua
ânsia no esperar pede tanto mais!
procurei nos muros refrescar o cio
é só o calor. passa com o verão
miou para si própria a gata que sou
um miar gemido
repetido e oco.
sem convicção