24/10/2007

o medo e a ludoterapia

escritos não datados. como se a vida de Maria não tivesse sequência ou isso não lhe importasse para nada. por viver ser viver e nada mais. datas são referências para historiadores e ela como eu e a maioria de nós, não tem a veleidade de ficar na história.

image by Hugo Provoste

vivi medos de infância. incutidos. coisas de mãe a inculcar prudências até ao excesso disso. mas agora é real. vive-se o medo. o medo com maiúscula. o que tolhe. o que eles querem. o medo deles.
e eu que vivi medos pequenos como se fossem coisas de Adamastor. escolhi perder o medo. sim escolhi. afinal em nós tudo se controla.

quase perdi o primeiro filho em casa deles. dos senhores do poder-tudo-até-matar.

Era de noite e levaram
Era de noite e levaram
Quem nesta cama dormia
Nela dormia, nela dormia
Sua boca amordaçaram
Sua boca amordaçaram
Com panos de seda fria
De seda fria, de seda fria

Era de noite e roubaram
Era de noite e roubaram
O que na casa havia na casa havia, na casa havia
Só corpos negros ficaram
Só corpos negros ficaram
Dentro da casa vazia casa vazia, casa vazia

Rosa branca, rosa fria Rosa branca, rosa fria
Na boca da madrugada
Da madrugada, da madrugada
Hei-de plantar-te um dia
Hei-de plantar-te um dia
Sobre o meu peito queimada
Na madrugada, na madrugada

nunca esquecerei o bom que foi poder cantar isto. contralto que sou, de forma bem audível na hora de bater as barras. na hora do silêncio. ainda te agradeço daqui, Zeca, a companhia na solidão da cela.

foi tudo exactamente assim com excepção da mordaça real. mais a devassa. ninguém mais pode entrar na casa. destruiram tudo. comeram beberam (no pinhal do rei). roubaram-me os livros.

é verdade - o que não mata, fortalece. o meu filho a custo de injeções sobreviveu. faz agora ludoterapia. ontem já fez pipocas ao lume e ficou radiante por isso. pela segunda vez dizem que é sobredotado. a primeira foi aos dois anos e meio. pobre dele num país como o nosso. nem sei se lhe devo ou não falar do assunto se as coisas não mudarem por aqui.

nas horas de espera da consulta comecei a escrever um livro louco, porque o silêncio do meu homem já me pesa nos ombros mais que os três filhos às cavalitas. para camuflar chamei-lhe "Marta ou o Diário da minha enteada". é um livro de adolescentes para adolescentes. cheio de revolta verdadeira. a minha ludoterapia. afinal todos temos direito a um jogo de curar.

12 comentários:

Elementos disse...

Olha...
Encontraste-me. Também já te tinha encontrado.
Espero que esteja tudo bem.
Um beijinho

Madalena disse...

Encontrei-te como o mar recebe um rio. :)

A tua cria é a coisa mais linda deste mundo.
Beijo, querido! :)

della-porther disse...

paper

vim ler-te.

um beijo querida


della

Madalena disse...

Della - a resistente, obrigada. :)

Bj

Unknown disse...

Jogo... contigo... o jogo do cuidar!
Beijo.

aDesenhar disse...

de vez em quando dou com as tuas águas, porque tocam os meus pés, alturas há em que é difícil encontrar
a tua nascente e os caminhos que os teus rios percorrem, porque afinal não há rios iguais!
:-)
bjs

Elementos disse...

A minha cria é a estrelinha mais linda do mundo. Faz valer cada dia a dia.
Beijinho.

José Pires F. disse...

Felizmente, hoje ainda vamos tendo armas contra as mordaças, não sabemos até quando, mas também nos cabe a nós prolongar este tempo.

E que tal um cheirinho desse “Marta ou o Diário da minha enteada”

Abraço.

Madalena disse...

Obrigada Daniel, jogador de palavras. :) bj

Adesenhar, tu és das artes gráficas, vives noutro mundo a desenhar mundos novos, vai aparecendo mas não te importes muito com o que perdes. Isto não é um diário. :) Bj

Pires F para um cheirinho da Marta (guardada no baú) tinha de por o meu calão em dia lol. Já viste o que era um livro cheio de bués> ou coisa parecida. É que o calão de agora está pouco criativo...ná. Bj :)

Água do Mar, ainda me lembro bem como isso é. Dá força para enfrentar elefantes o amor por um filho, imagina por três (mas mais bonito cós meus eram, nã é - concedo: tanto quanto.) :) beijo.

Anónimo disse...

Por um filho tudo se faz e por três, eu também sei porque os tenho e deixem-me dizer-vos que mais lindos que os meus são, não há não...

Beijinhos.

vida de vidro disse...

Todos devemos ter direito a jogos de curar, sim. Coisas assim em que a nossa realidade se diluina ficção. Coisas onde, marcados, deixamos a nossa marca. **

Madalena disse...

Sabemos bem isso, Metamorfose. Claro. :) Obrigada.

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E cá vamos jogando para não enlouquecer na pasmaceira políticosocial desta terra, né Menina de vidro? Bjs. :)